Ouça o áudio:
O que são revistas predatórias?
De acordo com o site Predatory Journals, elas são “um modelo de negócios de publicação acadêmica explorador, que envolve a cobrança de taxas de publicação aos autores sem verificar a qualidade e a legitimidade dos artigos, e sem fornecer serviços editoriais e de publicação que as revistas acadêmicas legítimas fornecem, seja de acesso aberto ou não.” [1].
Em suma, as revistas predatórias podem ser comparadas a vitrines que expõem roupas falsificadas, já que não podem ser consideradas científicas.
Por que revistas predatórias não são científicas?
Um dos processos fundamentais para que um artigo seja considerado científico é a chamada “avaliação por pares”. Este processo consiste na avaliação do manuscrito por um conjunto de especialistas, preferencialmente doutores, antes da publicação na revista. Nesse processo, os avaliadores podem recomendar desde o aceite até a rejeição do manuscrito, bem como propor sugestões para a melhoria de sua qualidade teórica, metodológica e/ou estrutural.
É importante destacar que a quantidade de revisores por artigo varia de revista para revista. Contudo, para ser considerada uma avaliação por pares, deve-se ter no mínimo dois revisores por avaliação.
Apesar disso, revistas predatórias ou não praticam a avaliação por pares, ou, quando a praticam, realizam-na de qualquer forma, somente para ‘mascarar’ seu real objetivo. É comum que essa avaliação, quando realizada, seja feita em um período de tempo muito curto (horas ou dias) e que, quando devolvido, o estudo seja aceito sem nenhuma sugestão de melhoria.
Entenda: avaliar um artigo envolve um trabalho árduo e detalhado que, sem dedicação exclusiva, se torna inviável de ser realizado adequadamente em um período tão curto de tempo. Os avaliadores por pares, normalmente, são professores doutores associados a programas de graduação e pós-graduação, que se voluntariam para realizar o trabalho de avaliação do artigo, dispondo de parte do seu tempo livre para tal. Ademais, em seu papel, o avaliador por pares deve observar não apenas a escrita científica, mas também as possíveis falhas metodológicas, a adequação dos referenciais teóricos-conceituais e das referências utilizadas, buscando entender se a pesquisa utiliza estudos recentes e relevantes à temática. Desse modo, é comum que um avaliador demore semanas ou até mesmo um mês para avaliar um único artigo. Logo, o tempo de avaliação dessas revistas chama a atenção para se a revisão por pares realmente está sendo realizada e, quando realizada, se está sendo feita de forma adequada.
Toda revista predatória cobra taxas?
Não, nem toda revista com práticas predatórias cobra taxas.
Uma revista pode ser considerada predatória por utilizar seu “poder” para influenciar ou favorecer a si própria ou a terceiros, como pode ser observado no post “Misconduct in a journal from the Amazon region” do site Predatory Journals [2].
Nele há uma denúncia de uma revista brasileira que, supostamente, utilizou seu escopo para favorecer algumas pessoas que iriam concorrer a um concurso público, publicando artigos sem nenhuma transparência em volumes que, até então, já estavam fechados.
Qual é o problema de publicar em uma revista predatória?
As revistas predatórias publicam qualquer coisa, e quando digo qualquer coisa, é qualquer coisa mesmo. Pensando nisso, durante a pandemia, um grupo de pesquisadores, tentando evidenciar o problema das revistas predatórias, realizou um experimento social enviando artigos falsos para revistas “científicas”. Todo o material dos artigos era forjado, desde os dados até os autores. Todavia, a autenticidade dos artigos poderia ser facilmente questionada em uma revisão por pares, pois estes associavam a Covid-19 e o câncer aos Pokémons, criaturas fictícias da franquia de jogos da Nintendo, bem como incluíam trechos que alertavam os leitores sobre a natureza predatória da revista.
A imagem foi extraída do artigo falso “Expression of the pokemon gene and pikachurin protein in the pokémon pikachu” publicado na revista “Academia Journal of Scientific Research” em 2020 [3].
Em um dos artigos, dentre todas as pistas deixadas pelos autores sobre a inautenticidade do estudo, é possível observar o seguinte trecho:
“[…] os epidemiologistas acreditam que é altamente provável que um periódico que publica este artigo não pratique a revisão por pares e, portanto, deva ser predatório.” [4].
Apesar desses casos serem esdrúxulos, nem sempre o falso artigo será tão evidente ao leitor e isso se torna ainda mais preocupante quando consideramos que algumas das maiores e mais letais fake news começaram como artigos “científicos” publicados nessas revistas.
Por que as revistas predatórias representam um mal para a sociedade?
Em seu post intitulado “Is Frontiers Media a Predatory Publisher?“, o site Predatory Journals alerta para publicações alarmantes em diversas revistas associadas a uma grande editora internacional: a Frontiers [5].
Segundo o post, em 2014, a revista Frontiers in Public Health publicou um artigo controverso que questionava a conexão entre o HIV e a AIDS. Contudo, apesar das inúmeras reclamações de profissionais e especialistas em saúde pública, foi decidido que o artigo não seria retratado, mas reclassificado como um artigo de opinião, permanecendo no ar até os dias atuais. Somente em 2019, após a mudança do editor-chefe da revista, o artigo foi finalmente retratado [6]. Apesar de parecer uma situação isolada, em 2016, um artigo que ligava as vacinas ao autismo foi aceito provisoriamente na mesma revista e removido somente após reclamações no X, antigo Twitter [7].
Já em 2021, em meio a pandemia, outro artigo polêmico foi aceito provisoriamente, porém em outra revista da editora, a Frontiers in Pharmacology. O texto apoiava o uso do medicamento antiparasitário ivermectina como tratamento para a Covid-19. Posteriormente o texto foi rejeitado pelos editores [8].
Cabe destacar que o texto ainda apresenta os problemas relatados por ex-membros de equipes editoriais que trabalharam para algumas das revistas da editora, demonstrando que os artigos deveriam ser aceitos independentemente das recomendações dos revisores por pares, prática comum em revistas predatórias.
Diante disso, podemos observar que todas as situações têm algo em comum: foram artigos utilizados para basear “cientificamente” algumas das mais famosas fake news espalhadas pelas redes sociais. Contudo, a população não é obrigada a saber identificar as inúmeras falhas metodológicas e vieses de pesquisa presentes nesses “estudos”. Para eles, aquele é um artigo científico autêntico.
Por isso, é tão importante que os pesquisadores saibam o que é uma revista predatória, como identificá-la e, sobretudo, que não publiquem seus artigos e não citem estudos publicados nelas.
Como identificar revistas predatórias?
Atualmente, existem diversas formas de identificar uma revista predatória. Algumas das mais famosas são:
-
- A lista de Beall – Esta é uma lista de revistas classificadas como predatórias que podem ser facilmente pesquisadas pelo nome. O site ainda contém várias dicas para evitar revistas predatórias, contudo, sua última atualização foi em dezembro de 2021.
- Indexação no DOAJ – O DOAJ é uma base indexadora considerada o “primeiro degrau” para comprovar que uma revista não é predatória. Entrar no DOAJ não é simples, uma vez que a revista deve estar de acordo com todos os critérios de boas práticas editoriais estabelecidos pela COPE. No entanto, como nem toda revista científica está indexada no DOAJ, é válido utilizá-lo como um critério adicional para avaliação da autenticidade da revista.
- A ferramenta Think. Check. Submit – Essa é uma excelente ferramenta para avaliação da confiabilidade de uma revista. O pesquisador pode preencher diretamente no site e há tradução para diversos idiomas, inclusive o português. Seu uso é altamente recomendado, independentemente da suspeita de práticas predatórias, uma vez que ele também ajuda a refletir se aquela revista é a melhor para o seu tema.
- O site Predatory Journals – Esse site tem a mesma função da lista de Beall, contudo ele se encontra atualizado e contém diversos materiais educativos e posts de alerta sobre revistas, como os citados acima.
- A ferramenta de avaliação de periódicos desenvolvida por Rele et al. (2017) – É uma ferramenta simples projetada para determinar a credibilidade de uma revista científica. Pode ser utilizada por qualquer pessoa.
- Indexação no JCR Master List – Para ter um fator de impacto, a revista precisa ser indexada no sistema da Clarivate, que possui critérios absurdamente rigorosos para tal, incluindo a qualidade dos artigos publicados naquela revista. Assim como o DOAJ, são poucas as revistas que estão no JCR Master List, sendo este mais um critério a ser avaliado.
Meus critérios para identificação de revistas predatórias

Para facilitar, criamos uma lista com as revistas científicas da área de enfermagem, classificadas de acordo com o Qualis e a presença de práticas predatórias.
As revistas marcadas em vermelho foram classificadas de acordo com o site Predatory Journals e/ou o artigo “Mapeamento de revistas brasileiras com práticas editoriais predatórias” publicado na Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) [10].
Para acessá-la, clique aqui ou na imagem ao lado.
Referências
-
- PREDATORY JOURNALS. Scientific Publishing. [S.l.]: Predatory Journals, c2024. Disponível em: https://predatoryjournals.org. Acesso em: 28 maio 2024.
- PREDATORY JOURNALS. Misconduct in a journal from the Amazon region. Predatory Journals, [S.l.], 22 jan. 2024. Disponível em: https://predatoryjournals.org/news/f/misconduct-in-a-journal-from-the-amazon-region. Acesso em: 28 maio 2024.
- SAMUEL, O; GANKA, J.; MATTAN, S. Expression of the pokemon gene and pikachurin protein in the pokémon pikachu. Academia Journal of Scientific Research, Nigeria, v. 8, n. 7, p. 235-238, 2020. Disponível em: https://zenodo.org/records/5652365. Acesso em: 28 maio 2024.
- ELM, U. et al. Cyllage City COVID-19 Outbreak Linked to Zubat Consumption. American Journal of Biomedical Science & Research, California, v. 8, n. 2, p. 140-142, 2020. Disponível em: https://zenodo.org/records/3748280. Acesso em: 28 maio 2024.
- PREDATORY JOURNALS. Is Frontiers Media a Predatory Publisher? Predatory Journals, [S.l.], 19 mar. 2023. Disponível em: https://predatoryjournals.org/news/f/is-frontiers-media-a-predatory-publisher. Acesso em: 28 maio 2024.
- FRONTIERS EDITORIAL OFFICE. Retraction: Questioning the HIV-AIDS hypothesis: 30 years of dissent. Frontiers in Public Health, Switzerland, v. 7, p. 334, 2019. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6830318/. Acesso em: 28 maio 2024.
- CHAWLA, D. S. Study linking vaccines to autism pulled following heavy criticism. Retraction Watch, [S.l.], 28 nov. 2016. Disponível em: https://retractionwatch.com/2016/11/28/study-linking-vaccines-autism-pulled-frontiers-following-heavy-criticism/. Acesso em: 28 maio 2024.
- OFFORD, C. Frontiers removes controversial Ivermectin paper pre-publication. The Scientist, [S.l.], 2 mar. 2021. Disponível em: https://www.the-scientist.com/frontiers-removes-controversial-ivermectin-paper-pre-publication-68505. Acesso em: 28 maio 2024.
- SHAMSEER, L. et al. Potential predatory and legitimate biomedical journals: can you tell the difference? A cross-sectional comparison. BMC Medicine, London, v. 15, n. 28, 2017. Disponível em: https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12916-017-0785-9. Acesso em: 28 maio 2024.
- ANDRADE, D. A. F. et al. Mapeamento de revistas brasileiras com práticas editoriais predatórias. In: ABEC MEETING 2023, 2023, Paraná. Anais eletrônicos […]. São Paulo: ABEC Meeting Anais, 2024. Disponível em: https://ojs.abecbrasil.org.br/index.php/abec/article/view/196. Acesso em: 28 maio 2024.
Como citar (ABNT Style):
ALMEIDA, Y. S. Revistas predatórias: o que são e como evitar?. Enfermagem Pesquisadora, Rio de Janeiro, 29 mar. 2024. Disponivel em: https://enfermagempesquisadora.com.br/?p=2102
Esta obra se encontra sob Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
[…] Para encontrar periódicos científicos confiáveis, é preciso analisar bem. Um estudo mostra que revistas predatórias cresceram muito. Elas passaram de 8.000 em 2014 para 15.059 em 2021. […]